LEI ANTERIOR A CONVÊNIO ICMS DIFAL 236 É NULA

LEI ANTERIOR A CONVÊNIO ICMS DIFAL 236 É NULA

Artigos e vídeos nas redes sobre a decisão do STF no caso da ADI n. 5.469 – ICMS Difal mostram a insanidade tributária que assola o país.

No caso, a Suprema Corte declarou por maioria que cláusulas do Convênio no Confaz 93 de 2015 são inconstitucionais porque, em resumo, as matérias da Emenda Constitucional 87 de 2015, que incluiu o ICMS Difal na Constituição, deveriam ter sido reguladas por Lei Complementar (LC).

Nesse sentido, finalizado o julgamento dos Embargos em 18/12/2021, alguns Estados editaram no “apagar das luzes” de 2021 decretos, medidas provisórias e leis estaduais para tentar impedir a aplicação do princípio da anterioridade em 2022.

Mas todos sabem que o ICMS tem implicações nacionais e que os Estados têm competência e são “obrigados” a instituir o imposto em seus territórios de acordo com regras gerais e uniformes, sob pena de “quebra” do pacto federativo e da exigibilidade de Convênio para obrigações tributárias extraterritoriais ou que superem os limites geográficos do território estadual e para casos de aplicação de alíquotas menores que as interestaduais (incentivos fiscais).

Entretanto, vários Estados não editaram em 2021 novas regras legais para exigir o tributo, o que impede a cobrança em 2022.

Por outro lado, problema relevante ocorre com as leis estaduais que entraram em vigor antes da data de publicação do novo Convênio ICMS Difal 236 de 2021 (publicado em 06/01/2022).

A LC 190 de 04/01/2022 estabeleceu diversas regras legais que dependeriam de Convênio, inclusive para a regulação de um “portal” com biblioteca legislativa e um sistema de apuração centralizada, com controle de alíquota e divisão dos pagamentos entre os Estados, bem como para aplicação, se for o caso, de regras internas de incentivos fiscais sobre o próprio ICMS Difal em cada Estado.

Nota-se que a LC estabeleceu imposição de obrigações tributárias extraterritoriais, isto é, o remetente de mercadoria a consumidor final localizado em um Estado deverá observar a legislação do Estado de destino do bem ou serviço, o que, de acordo com o Código Tributário, depende de Convênio, sem o qual um contribuinte estabelecido em um Estado não estará sujeito à legislação e fiscalização de outro. É que, como se sabe, numa federação as normas de um Estado federado vigoram nos limites de seu território.

Nesse ponto, o STF entende que Convênios no Confaz são etapas prévias à legislação estadual, em especial, nas situações que envolvam incentivos fiscais no ICMS (ADI 1.247, ADI 2.357 e ADI 5.929).

Defender e preservar esta ordem do processo legislativo tributário reduz o caos do sistema normativo e garante neutralidade, harmonia federativa e segurança jurídica para as empresas.

Assim como Convênios no Confaz não têm força para substituir matéria reservada à LC, o inverso também não tem, pois cada norma jurídica tem sua função e finalidade no sistema tributário.

Na medida em que a Constituição, o Código Tributário e a LC 190 de 2022 exigem a realização de Convênio para operacionalizar o ICMS Difal extraterritorial, as leis estaduais anteriores à data de publicação do Convênio 236 são nulas e devem ser refeitas e aprovadas pelas Assembléias Legislativas: as regras do Convênio 236 devem estar expressamente previstas nos textos das leis estaduais.

Uma interpretação contrária afeta a proibição de constitucionalização superveniente de leis defeituosas em face do modelo constitucional posto em uma certa época. Tal assertiva é repetida pelo STF desde a ADI 2, cuja ementa consignou que: “O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração”. No RE 390.840-5, como exemplo, a Suprema Corte declarou que ou “a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia”.

Por outro lado, vale ressaltar que a solução controversa do STF no RE 1.221.330 não pode ser aqui utilizada, uma vez que não se trata de lei estadual aprovada após Emenda Constitucional e antes de LC, caso em que as leis estaduais ficariam condicionadas à entrada em vigor da norma geral (LC).

No caso da ADI n. 5.469 – ICMS Difal, ficou registrado no voto condutor do Min. Dias Toffoli, entre outras diretrizes, que a matéria deve ser regulada por Lei Complementar e que as leis estaduais/distrital prévias e as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio 93 de 2015 são inconstitucionais e produzem efeitos apenas até 31/12/2021 (modulação de efeitos).

Entretanto, como referido, a LC 190 e o Convênio 236 foram publicados apenas em 2022 e a maior parte das Leis estaduais são de 2021 ou anteriores.

Inclua-se neste debate a previsão contida no artigo 3º da LC 190 de 2022 quanto à aplicação do artigo 150 inciso III alínea “c” da Constituição, o qual pressupõe respeito à alínea “b” do mesmo dispositivo: principio da anterioridade anual e de 90 dias por se tratar (ver acórdão do STF) de inovações tributárias por alterações em critérios da regra matriz de incidência.

Portanto, com leis estaduais válidas, ICMS Difal deve ficar para 2023.

Texto escrito por Daniel Andrade Pinto em 23/02/2022 e publicado originalmente no jornal Valor Econômico: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/02/23/lei-anterior-ao-convenio-icms-difal-236-e-nula.ghtml

Daniel Andrade Pinto é advogado na Andrade Pinto Advocacia Tributária, mestre em Direito Constitucional pela ITE de Bauru-SP, especialista em Justiça Constitucional pela Universidade de Pisa na Itália, diretor e editor do Tributo – Núcleo de Tributação.

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