OPERAÇÃO “QUEBRA-GELO” EM SÃO PAULO

OPERAÇÃO “QUEBRA-GELO” EM SÃO PAULO

O objetivo da operação “Quebra-Gelo”,(1) foi identificar e reprimir contribuintes emissores de notas fiscais não idôneas às quais não corresponderam operações de circulação de mercadorias. As referidas notas fiscais teriam sido emitidas com finalidade de apenas constituir crédito de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para o adquirente.

Segundo a SFSP foram averiguados 185 contribuintes dos quais 149 não apresentaram provas de compras compatíveis com o montante de notas fiscais emitidas, cerca de R$ 210 milhões, e foram impedidos de emitir notas fiscais e suspensos do Cadastro de Contribuintes do ICMS (Cadesp). Tais contribuintes e seus sócios e gerentes serão submetidos a rigorosa fiscalização e “se as suspeitas de inidoneidade nas operações forem confirmadas” serão expedidos autos de infração e representações criminais ao Ministério Público. Os créditos de ICMS destacados nas referidas notas fiscais foram “bloqueados”.

Ambos os atos, suspensão preventiva de inscrição estadual e proibição de emitir nota fiscal eletrônica constituem sanções administrativas. Certo é que a jurisprudência não admite sanção administrativa para compelir o contribuinte a pagar tributo. Mas no presente caso não há crédito tributário constituído. Tratam-se de sanções administrativas para impedir a continuidade de cometimento de atos ilícitos, isto é, para impedir emissões de notas fiscais eletrônicas que não correspondem a operações de circulação de mercadorias efetivas.

Entretanto, observe-se primeiro que as faladas sanções administrativas foram determinadas preventivamente. Observe-se também que a operação foi deflagrada no dia 25 de março de 2013 e as sanções administrativas aplicadas no dia 26 de março de 2013, ou seja, não decorreu tempo suficiente para defesa dos contribuintes penalizados. As sanções, portanto, foram aplicadas exclusivamente com amparo em informações contidas no cadastro de notas fiscais da fazenda estadual. Observe-se, por fim, que a suspensão preventiva de inscrição estadual, tendo em vista a outra sanção administrativa aplicada – proibição de emissão de nota fiscal eletrônica -, não é medida necessária para impedir prática de atos ilícitos. Na prática, a única conseqüência de suspensão preventiva de inscrição estadual, no presente caso, é impedir o contribuinte de comprar mercadoria o que é completamente desnecessário e injustificável.

Não é razoável suspensão preventiva de inscrição estadual cumulada com proibição de emissão de nota fiscal.

Considerada isoladamente, seria admissível a proibição de emissão de nota fiscal para impedir um contribuinte mal intencionado praticar atos ilícitos, isto é, emitir notas fiscais as quais não corresponda uma efetiva operação de circulação de mercadoria.

Deve ser assegurado a qualquer contribuintes, todavia, durante o período em que ocorrer a fiscalização, o direito de emitir notas fiscais no caso de operações de circulações de mercadorias reais, mesmo que sob condições especiais de fiscalização e de pagamento de imposto. \

As referidas ressalvas são indispensáveis tendo em vista as disposições constitucionais que asseguram a todos a livre iniciativa e o exercício de atividade lícita.(2)

É verdade que práticas ilícitas como emissão de notas fiscais que não correspondam a uma efetiva operação de circulação de mercadorias devem ser combatidas e que os responsáveis por elas devem ser punidos, mas conforme a lei e a Constituição, especialmente conforme o princípio da presunção da inocência.(3)

O “bloqueio” dos créditos de ICMS correspondentes a notas fiscais não idôneas, isto é, as quais não corresponderam uma efetiva operação de circulação de mercadorias e serviços pode e deve ser determinado. Na verdade tais créditos nem existem. Entretanto, o “bloqueio” preventivo de créditos de ICMS pode violar o princípio da não cumulatividade que caracteriza o imposto estadual.(4)

A nota fiscal apenas representa o crédito no caso do ICMS, o qual decorre, na verdade, de aquisição de mercadoria cuja operação de circulação foi sujeita ao imposto estadual. Com outras palavras, é uma operação de circulação de mercadorias anterior sujeita ao ICMS que, de fato, garante o crédito do imposto na operação subseqüente e não a nota fiscal em si mesma.

Conseqüentemente, mesmo se tratando de nota fiscal não idônea, existe crédito de ICMS na hipótese de efetiva operação de circulação anterior tributada. E a existência de operação de circulação anterior tributada só pode ser apurada no estabelecimento do adquirente da mercadoria.

Se a mercadoria objeto de operação de circulação de mercadoria anterior foi recebida no estabelecimento do adquirente e se o pagamento foi efetuado, os dois fatos comprovados por provas idôneas, então existe o direito ao crédito do imposto estadual, ainda que a nota fiscal que representou a aquisição foi não idônea.

Por estas razões, o “bloqueio” de créditos de ICMS antes de fiscalização no estabelecimento destinatário é temerário. A declaração de inexistência de crédito fiscal somente deve ser feita após intimação do destinatário para apresentar provas da aquisição, quer dizer, após fiscalização do estabelecimento do destinatário.

É indiscutível o poder-dever da administração fazendária para fiscalizar e reprimir a prática de atos ilícitos relacionados com a tributação, no caso, emissão de notas fiscais que não correspondem a operações de circulação de mercadorias.

Contudo, apenas a falta de prova imediata de aquisição de mercadoria vendida não é suficiente para, preventivamente, suspender inscrição em cadastro estadual de contribuintes, proibir contribuintes de emitir notas fiscais e declarar a inexistência de créditos de ICMS.

Texto escrito em abril de 2013 por Moacyr Pinto, Jr

(1) De acordo com informações divulgadas pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (SFSP) em http://www.fazenda.sp.gov.br/publicacao/noticia.aspx?id=1936.

(2) Constituição, art. 1º, IV, art. 170.

(3) Constituição, art. 5º, LVII.

(4) Constituição, art. 155, § 2º, I.

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